Vegetarianismo pelo mundo: os guaranis


O vegetarianismo é uma prática compartilhada por diferentes grupos sociais, alguns dos quais muitos de nós desconhecem. Em trabalho não publicado[1], Pablo Javier Abiuso Cabral escreve sobre os Guaranis e suas classificações alimentares, e pelas similaridades com o universo Hare Krishna estou utilizando o texto do jovem antropólogo em meu projeto de doutoramento. Como é algo bem “diferente”, achei interessante compartilhar com os leitores de Tomate Cru.
Guaranis. Fonte: http://blog.maisestudo.com.br/top-10-2/

Os guaranis associam estreitamente os alimentos ao sistema religioso, cujas práticas sócio-culturais visam alcançar aguyje, o estado de leveza da alma, perfeição e plenitude que permitirá, por sua vez, alcançar yvy maraey, a terra sem mal, sem passar pela morte. O sistema classificatório dos alimentos está interconectado às classificações que estruturam as redes de relações simbólicas e empíricas do sistema cultural guarani. Abiuso Cabral diz que existem condutas sacralizadas pelas normas míticas que permitem que os homens alcancem a alma divina – Ñe’eng –, tais como o vegetarianismo, a meditação e a tranquilidade espiritual, em oposição à alma animal –Asynguá – que permite que o homem coma carne, cometa excessos sexuais, adultério etc. A distinção dos alimentos indica a comida adequada para propiciar um corpo limpo, de acordo com “una ideia de transmutación del cuerpo a partir del tipo de comidas que consumimos” [2].
Para ter a possibilidade de obter aguyje deve ser evitado o consumo de alimentos elaborados por brancos, e não só os alimentos, já que evitar contato com eles e seguir as condutas representadas nos mitos e rituais aumentam a possibilidade de alcançar o estado de plenitude da alma espiritual guarani. A carne e o sangue estão associados à alma animal, o princípio animal que se deve controlar sob o risco de perder a espiritualidade e se converter em animais. Existe uma ideia de transmutação do corpo a partir do tipo de comidas que consumimos. Os alimentos então são divididos entre os de origem vegetal, assim como o mel e o kagyuý, bebida alcoólica feita principalmente da fermentação de milho; e os alimentos de origem animal, que devem ser consumidos com moderação e de acordo com certas regras e com uma série de rituais para caçar e preparar os alimentos.
No núcleo das práticas culturais dos guaranis está o consumo de kagyuý, que é parte do sistema de sentidos associado do calendário produtivo religioso, através do qual o cultivo de milho é organizado. Essa bebida é preparada e consumida principalmente em situações rituais e outras atividades coletivas.
Sempre que eu me deparar com algum texto interessante de outras culturas relacionadas ao vegetarianismo, tentarei compartilhar algum pequeno resumo com vocês, caros leitores, porque nem só de vegetais vivem os vegetarianos. Cultura é preciso!
Hare Krishna!


[1] Este trabalho foi apresentado como parte dos requisitos para aprovação no Seminário “La muy arcaica pasión: una mirada atenta sobre la función clasificadora, para etnógrafos y otros investigadores inveterados”, ministrada no Programa de Postgrado en Antropología Social da Universidad Nacional de Misiones (Argentina), em 2008, se não me engano.
[2] Abiuso Cabral, Guaraníes e Clasificaciones Alimentícias, p. 7 – não publicado.

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